Publicado em 29/05/2019
Marielena Dadalto, sócia da Escola Monteiro, tinha apenas 13 anos quando sonhou em ser professora e ter sua própria escola. Morando numa fazenda na Safra, em Cachoeiro de Itapemirim, concluiu os estudos, enfrentou a resistência do pai e começou a dar aulas para crianças e adultos da região.
De lá para cá, acumulou histórias de amor e dedicação que culminaram na parceria que hoje faz a Escola Monteiro ser o que é. No ano em que se comemoram os 50 anos da instituição, nada melhor do que recontar histórias como a de Marielena. Leia e inspire-se.
“Esse sonho de um dia ser professora e ter minha própria escola começou quando eu tinha 13 anos. Assim que terminei o ‘normal’, como se chamava na época, e recebi o diploma de professora, não pensava em outra coisa a não ser exercer a profissão escolhida.
A minha primeira batalha se deu com o meu pai, coronel Manoel Marcondes de Souza, que não permitia filha mulher trabalhar. Era considerado um absurdo. E meu pedido uma afronta. Chorei muito, mas meu pai não cedeu.
Só depois, com a ajuda de meus irmãos, consegui trabalhar como professora, gratuitamente, dando aulas a crianças e adultos que moravam na Safra, fazenda de meu pai (perto de Cachoeiro de Itapemirim), e no entorno. A primeira barreira tinha sido ultrapassada. Era 1968 e eu tinha 19 anos.
Estava muito feliz lecionando para as crianças pela manhã, inclusive filhos de funcionários de meu pai, e alfabetizando adultos à noite. Mas minha felicidade não estava completa. Precisava ajudar meus alunos com material escolar e merenda. Eu não tinha dinheiro e nem de longe poderia fazer esse pedido a meu pai. Arriscava não poder mais lecionar. Foi aí que tive uma grande ideia.
No alto de um morro, tinha uma igreja construída pelo meu pai. Por que não promover encontros de oração e leilões de carne assada, galinha, bolo, entre outros produtos que fazíamos para conseguir um dinheirinho para a merenda dos alunos? Deu certo, mas ainda precisava de mais verba para poder atender a todos. Consegui um sanfoneiro e passei a fazer também forró.
Claro que meu pai mandou dois capatazes da fazenda para me acompanhar. Era cobrado um valor na entrada. Vinha muita gente de Cachoeiro e, se extrapolassem no comportamento, bastava uma palavra minha para que fossem colocados para fora. A maioria respeitava para poder voltar.
As festas juninas que eu promovia davam um pouco de alegria a todos. Um belo dia, os adultos do período noturno me solicitaram a vinda de um padre para tirar as dúvidas que tinham sobre a religião católica.
Lá fui eu conversar com o bispo de Cachoeiro, Dom Luiz Gonzaga Peluzo, que me atendeu muito bem e marcou a data da vinda de um padre à fazenda da Safra. Radiantes, espalhamos cartazes por toda redondeza.
Nesse dia, o grupo escolar ficou repleto de pessoas. A ansiedade foi aumentando até que eu soube que o padre não viria. Como sempre, acreditei em uma força maior me conduzindo, tomei coragem e, como não tinha alternativa, substituí o padre na palestra. Sinceramente, não tinha tanto conhecimento, mas, no final, deu tudo certo e as pessoas saíram felizes e satisfeitas com o encontro.
Cada dia que passava, amava mais minhas crianças e o que fazia. Lembro-me nitidamente dos almoços nas casas dos pais delas quando sentava com eles no chão e fazia bolinho com a comida para comer com as mãos. Arroz, feijão, farinha, abóbora e carne seca (que na época era barata).
Eu e minhas duas irmãs tínhamos um Fusca. Quando chovia muito, por diversas vezes, ia apanhar alguns alunos que moravam afastados, enfrentando uma estrada de morros, barrenta, cheia de precipícios. O carro deslizava muito e algumas vezes sentia que ia cair no precipício, mas uma ‘mão abençoada’ me colocava no caminho novamente. Sempre tive muita fé.
Quando casei e vim morar em Vitória, muitos choraram na despedida. Os professores que vieram depois davam aula e iam embora sem nenhum envolvimento com a comunidade.
Tive três filhos maravilhosos, que são a razão do meu viver: Tiziana, Leonardo e Larissa.
Entre dois e três anos de idade, eles foram para a escola. A adaptação de meu filho confirmou, mais uma vez, que a escola que eu estava matriculando as crianças não era a escola dos meus sonhos. Ele foi tirado dos meus braços chorando e eu, naturalmente, não fui embora, ficando também aos prantos, do lado de fora do muro, na calçada.
Cada vez mais tinha certeza de que o que via não era a escola que eu sonhava. Comecei então a pesquisar, buscando uma escola, um método inovador para ensinar crianças pequenas de forma mais lúdica. Acabei me identificando com o Método Natural. Fui em busca da autora Maria de Lourdes Pereira da Silva para falar de meu sonho e pedir para me aceitar como sua discípula.
Quando minha filha mais nova fez sete anos, comecei a fazer estágio no Rio de Janeiro e fiquei aprendendo lá por quatro anos. Realmente ela, Maria de Lourdes, abriu sua escola para meu aprendizado: tive a oportunidade de vivenciar toda a dinâmica de sala de aula bem como fotografar o mobiliário e o material pedagógico. Mais um desafio para a implantação de um método que exigia um mobiliário específico com vários cantinhos de atividades, que não era encontrado para comprar, e um material pedagógico todo confeccionado artesanalmente.
Quando me conscientizei do custo financeiro desse sonho, achei que não iria concretizá-lo. Surge, então, o maior parceiro do mundo, que contratou um arquiteto de renome (Carlos Alberto Vivacqua) para fazer o projeto arquitetônico do parquinho e do mobiliário.
Por incrível que pareça, essa pessoa que me ajudou também nutre um amor pela Educação e é alguém que admiro muito e por quem tenho um amor profundo. Meu marido, Pedro Dadalto, além de executar a obra como sonhei, montou uma serralheria somente para confecção do mobiliário, que foi todo feito em madeira e fórmica na cor azul clara, uma das cores da logomarca escolhida para a nova escola.
Essa escola precisava de um nome e ninguém melhor para homenagear que meu avô (Coronel Marcondes Alves de Souza), que governou o Estado do Espírito Santo de 1912 a 1916. Assim nasceu o CEMS – Centro Educacional Marcondes de Souza.
No início, foi muito difícil, principalmente a confecção do material em papel cartão e contact. Foi necessário montar uma sala com três profissionais para essa finalidade.
Não podia comprar nada, pois não existia para vender.
Em fevereiro de 1985, escolhi meu irmão, Marcondes de Souza, representando meu avô, já falecido, para cortar a fita da inauguração do CEMS em um evento com a presença da imprensa.
Comecei o primeiro ano com 68 alunos. No segundo ano, com o método implantado e a boa receptividade da sociedade capixaba, passamos para 170 alunos. No início de 1993, ao saber que Ana Rita estava procurando um lugar maior para sua escola, fiz uma proposta de transferir os alunos dela para o CEMS, adquirindo 50% da Monteiro Lobato.
A princípio, com a junção das duas empresas, surgiu uma nova marca (Sociedade Cultural Monteiro Lobato – CEMS). Hoje, em comemoração aos 50 anos, a atual Escola Monteiro ganhou também uma nova logomarca.
A realização de outro sonho que tinha recebi de presente de minha filha Larissa, que trabalhou comigo no financeiro da Monteiro. E – o que achava impossível, por sua formação como economista – minha filha Tiziana descobriu, também, sua ‘veia’ de educadora e, desde 2012, trabalha nas duas escolas da família, Upuerê e Monteiro. É uma alegria vê-la tão feliz e tê-la, hoje, ao meu lado”.
Marielena Marcondes Dadalto.