Publicado em 13/03/2020

 

Ganhador do Oscar de melhor roteiro adaptado em 2020, Jojo Rabbit carrega em si um senso de urgência.

Adaptado da obra Caging Skies, da neozelandesa Christine Leunens, e dirigido por Taika Waititi (Thor-Ragnarock e Deadpool 2), o filme conta a história de um garotinho fascinado pela propaganda nazista e ávido por integrar a juventude hitlerista em plena Segunda Guerra Mundial. Contudo, o jovem Johannes Betzler não reúne completamente os requisitos sádicos para se tornar um nazista destacável. É por isso que ganha o apelido jocoso de “Jojo Rabbit”, pois se recusa a sacrificar um coelho num campo de treinamento para jovens, demonstrando assim sua “insuficiência comportamental” para se tornar um completo imbecil.

Foto: Reprodução/Fox Searchlight Pictures

Para sufocar sua inclinação à sensibilidade excessiva, o jovem Jojo procura afirmar suas convicções apelando para um amigo imaginário personificado em ninguém menos que Adolf Hitler. Suas interações com o ditador constroem situações de comicidade plenas de uma ironia que denuncia a crueldade da Alemanha na década de 30 e nos anos de guerra, constituindo um poderoso aparato reflexivo para aqueles que ainda procuram relativizar os fatos históricos.

Porém, o que mais me chamou atenção nessa obra foi seu senso de urgência, como se cada um dos personagens gritasse que naquele momento houvesse uma detectável e poderosa força bem-sucedida em revirar os princípios éticos e da liberdade de cabeça para baixo. Jojo não é um nazista. Ele, como toda criança, reflete os valores da sociedade que integra e os reproduz com a inconsequência inocente de quem não entende o mundo resoluto e repleto de convicções do universo adulto.

Foto: Reprodução/Fox Searchlight Pictures

Em Jojo, essa urgência gritante é aparente na relação com sua mãe que, como ativista antifascista, sensivelmente, tenta demonstrar ao filho que suas crenças contêm uma discrepância perante sua própria natureza. Rabbit também cala sua sensibilidade tentando provar para o círculo que o envolve que é um bom nazista e que, como tal, merece a atenção de um mundo que lhe negou o pai, desaparecido na guerra. Vale a pena observar esse jovem se esforçando para reproduzir o conteúdo político circulante na boca dos adultos e o quanto sofre para se afirmar perante esse discurso. No Brasil em que vivemos atualmente, isso se tornou rotina. Incorporadas de uma insatisfação generalizada transformada em discursos rasos, as crianças se apegam a uma tonicidade competitiva, passando a apresentar comportamentos segregadores e perigosamente violentos. É urgente detectar na obra em questão a reflexão de nossas ações perante crianças. Foi adequado envolvê-las nos embates polarizados? Não fomos “obscenos” aos expô-las a assuntos que não são pertinentes ao seu desenvolvimento?

A urgência também se desnuda na atuação de Sam Rockwell, que interpreta um instrutor nazista displicente e que, visivelmente, questiona a legitimidade do discurso alemão. Ao longo da película, e aqui segue um spoiler, o personagem descortina sua homossexualidade reprimida e que paradoxalmente é libertada em sua morte, repleta de simbolismos. Em seu ato final, o instrutor se lança à batalha derradeira num uniforme que funde a tradição militar alemã a alegorias carnavalescas que adornam a felicidade de seu espírito em se ver livre. A urgência aqui está na repressão de seus desejos, no calar da necessidade de aceitação que tem deixado tantos de nós não só confusos, mas propensos a uma profunda tristeza, tratada a cada dia com doses de medicação capaz de contrair as extremidades de nossa existência. Vivemos o tempo da alegria comprimida, nem tanto, nem tão pouco. Assim seguimos.

Por fim, e ainda mais urgente, é perceber que o resgate da humanidade do jovem Jojo é gradualmente feita por uma judia que vive escondida em sua casa, sob a tutela da mãe de nosso protagonista. É ela, interpretada pela atriz Thomazin Mackenzie, quem refresca o coração do garotinho, num sopro de paixão infantil que lhe desperta o sentimento de que o discurso nazista da inferioridade e da diferença foi construído sob um enorme vácuo e tristeza generalizada do mundo Entreguerras.

Pensemos agora na plenitude da arte, que entre o muito que representa, nos serve de forma constrangedora para nos lembrar urgentemente do respeito incondicional, da empatia e, principalmente, que a igualdade se constrói na diferença.

Foto: Reprodução/Fox Searchlight Pictures

Marcio Vaccari.