Publicado em 09/12/2021
Se você tivesse que escolher entre duas pílulas para tomar – uma que não fizesse efeito algum e outra que fizesse enxergar a realidade em que você vive, mesmo que não fosse agradável –, qual escolheria? Esse dilema tem como base a Alegoria da Caverna, desenvolvida por Platão, em “A República”. Nela, um dos personagens finalmente tem a oportunidade de sair do interior de uma caverna e enxergar a realidade e o mundo à sua volta, após uma vida inteira de aprisionamento e ilusão.
Essa metáfora nos faz questionar muita coisa a respeito de nós mesmos, incluindo como enxergamos a vida e como lidamos com nosso livre-arbítrio. Essas e outras questões universais estão presentes em Matrix, obra que marcou o cinema moderno e a cultura pop. Dirigido pelas irmãs Wachowski, o longa-metragem mistura diversos elementos em uma só narrativa, que é conhecida por figurinos seus de couro e PVC, algoritmos de computador e efeitos especiais inovadores. Além da Alegoria da Caverna, o filme faz referências à “Alice no País das Maravilhas” e a muitas outras obras, ideias e conceitos.
Professores da Monteiro analisam a questão central
Em Matrix, Keanu Reeves interpreta um hacker de computador que escolhe sair da ilusão e descobrir a verdade: o mundo em que vive está dominado pelas máquinas, que escravizam e manipulam a humanidade em uma realidade virtual. Para Marcio Vaccari, professor de História, as máquinas, ou o controle exercido por elas, não são o ponto-chave da trama. “O que mais me fascina no filme é a servidão voluntária dos humanos devido à comodidade proporcionada pela Matrix, mesmo sendo uma ilusão. O longa funciona como um alerta: estamos nos voluntariando para servir às tecnologias? Assim como muitos/as estavam ‘cegos’ na narrativa, nossa sociedade, sem perceber, está cada vez mais dependente das máquinas”, conta.
Esse tipo de narrativa futurista e distópica enquadra-se no cyberpunk, um subgênero da ficção científica. Nos filmes de 1999, em geral, a visão pessimista acerca da tecnologia evidenciava inúmeras dúvidas e receios da humanidade em relação ao mundo. Na época, eles provavelmente estavam ligados à ascensão da internet, à popularização dos computadores domésticos e à expansão da globalização. Além disso, o período de transição do milênio e aproximação do século XXI potencializaram essa sensação de incerteza generalizada, influenciando uma crise existencial coletiva, além da expectativa por mudanças drásticas permanentes.
Para William Acosta, professor de Filosofia, esse medo do desconhecido está relacionado à fuga das máquinas ao nosso controle. “Ao desenvolvermos técnicas para criar máquinas e tecnologias cada vez mais elaboradas, que estariam a nosso favor e seriam nossas aliadas, passamos a encará-las de forma negativa, com medo. Com a Guerra Fria, percebemos de maneira mais expressiva que os aparatos desenvolvidos pela humanidade incluíam armas de destruição em massa, funcionando de maneiras que não entendemos nem dominamos completamente. Ao criarmos os computadores domésticos, isso se intensifica, já que passamos a ter uma máquina em nossas casas cujo funcionamento também não compreendemos, e que ainda por cima ‘controla’ nossas vidas”.
“Resurrections” vem aí: o que esperar e por que assistir Matrix?
Se você espera um filme cyberpunk “tradicional”, não é exatamente o que encontrará no longa. Ao invés de demonizar as máquinas, ele apresenta a dualidade da tecnologia, que oprime e ao mesmo tempo torna a vida humana mais fácil e prazerosa. Assim, Matrix inova dentro de seu próprio gênero. Segundo Vaccari: “Romantizar o filme e julgar a realidade primal como melhor é algo delicado. Afinal, será que queremos ser salvos dessas tecnologias?”.
Em 2021, a narrativa de 1999 ganha um novo longa-metragem, intitulado “Matrix: Resurrections”, ambientado na contemporaneidade. Após o primeiro filme, a escolha é sua entre “Reloaded”, “Revolutions” ou “Resurrections”! O importante é ter em mente que a questão central da franquia é a mesma, independentemente das circunstâncias históricas e tecnologias desenvolvidas.
A universalidade dos temas e o existencialismo em Matrix o tornam um filme atemporal. Ele não só impactou a indústria do cinema como influenciou pesquisadores a estudarem a possibilidade de estarmos vivendo, de fato, em uma realidade virtual. Por tamanha repercussão e significado, o longa prova, de maneira singular, o que acreditamos enquanto instituição de ensino: o audiovisual também é uma forma de construção do conhecimento.
Clique na imagem abaixo e assista ao segundo trailer do filme “Matrix: Resurrections” (2021):
Talita Vieira.