Divertida Mente 2: Quem eu sou e o que me define?
É inegável que o primeiro “Divertida Mente” conquistou o mundo, graças à habilidade de se conectar profundamente com o público ao abordar os desafios da infância e as complexas interações sociais desta fase, tudo isso por meio de personagens carismáticos e uma narrativa envolvente. Agora, “Divertida Mente 2” chega aos cinemas com a difícil tarefa de repetir esse sucesso. No entanto, essa missão parece mais fácil do que se poderia imaginar, já que a sequência mantém a mesma energia do original, oferecendo uma dose equilibrada de diversão, emoção e – o que não poderia faltar -, reflexão.
Nesta nova etapa, o filme introduz uma gama mais complexa e ambígua de emoções, centrando-se particularmente na Ansiedade, que ganha a dublagem eletrizante de Tatá Werneck. Junto com a Ansiedade, surgem sentimentos como a Inveja, a Vergonha e o Tédio, que precisam encontrar seu lugar ao lado das emoções já conhecidas por nós (Alegria, Nojinho, Medo, Raiva e Tristeza), que habitam a sala de controle da mente de Riley.
A psicóloga e psicanalista Fabianna Monnerat acredita que representações como as apresentadas em “Divertida Mente 2” podem servir como um importante canal para que crianças, adolescentes e até mesmo adultos reconheçam e expressem suas emoções, facilitando assim o processo de lidar com elas. Nesse sentido, para ela, o filme pode ser um recurso valioso no ambiente escolar, promovendo diálogos sobre as emoções nas relações interpessoais dentro da sala de aula.
Além disso, Monnerat utiliza o enredo de “Divertida Mente 2” para explorar como as emoções influenciam o desenvolvimento dos adolescentes, destacando as mudanças significativas que ocorrem na transição da infância para a adolescência. “Essa fase é marcada por transformações no corpo, nas relações, aumento das exigências escolares e alterações hormonais”, observa Monnerat, mencionando a personagem Riley como exemplo dessas mudanças.
Na sequência, Riley, agora mais velha e entrando na adolescência, enfrenta uma nova gama de emoções. A sala de controle, que simboliza a mente da personagem, também se adapta para acomodar essas novas emoções, como ansiedade, inveja e vergonha. De acordo com Monnerat, essas emoções refletem as experiências típicas da adolescência e mostram como elas impactam o indivíduo tanto interna quanto externamente.
Sobre o Filme
Quase 10 anos após a estreia de “Divertida Mente”, a continuação da história de Riley Andersen e suas emoções finalmente chegou aos cinemas brasileiros no dia 20 de junho. Na versão brasileira, a dublagem conta com um elenco de peso: Miá Mello como Alegria, Leo Jaime como Raiva, Katiuscia Canoro como Tristeza, Dani Calabresa como Nojo, Otaviano Costa como Medo, Tatá Werneck como Ansiedade, Eli Ferreira como Tédio, Gaby Milani como Inveja e Fernando Mendonça como Vergonha.
Embora o primeiro filme tenha sido dirigido por Peter Docter, conhecido por sucessos como “Toy Story”, “Vida de Inseto”, “Os Incríveis”, “Up: Altas Aventuras” e “Monstros S.A.”, a nova animação de 2024 tem Kelsey Mann (“Party Central” de 2013 e “O Bom Dinossauro” de 2015) como diretor.
Para ficar pronta, o desenvolvimento desta sequência levou quase cinco anos e, assim como no primeiro filme, contou com a consultoria de um grupo de psicólogos, além da colaboração de diversos animadores e ilustradores profissionais. Entre eles, destaca-se a ilustradora brasileira Bruna Bedford, do Rio de Janeiro.
Personagens mais complexos e maduros
Um aspecto interessante do longa-metragem é a maneira como ele aborda a complexa dicotomia entre o bem e o mal, deixando claro que ninguém é inteiramente uma coisa ou outra. A animação realiza essa reflexão de forma clara e didática, mostrando através das emoções de Riley que até mesmo a Alegria pode ter crises de raiva, e que a Raiva pode ser compreensiva.
Por outro lado, na vida real, a ansiedade é frequentemente vista como uma vilã, mas na animação ela desempenha um papel antagônico. Isso porque, assim como os demais personagens na mente de Riley, a Ansiedade também deseja o bem-estar da garota, embora tenha uma perspectiva diferente de como guiá-la para um futuro melhor, o que entra em conflito com as ideias de Alegria.
Fabiana Monnerat explica que as emoções em si não são nem negativas nem positivas; elas são experiências subjetivas, que podem ser intensas e de curta duração, muitas vezes acompanhadas por manifestações fisiológicas e ligadas a conflitos inconscientes que chegam à consciência. Ela ressalta que, no caso da tristeza, “é fundamental acolhê-la e cuidar dela enquanto estiver presente, pois só assim é possível superar um luto e construir algo novo e mais saudável”.
Monnerat também destaca a importância da ansiedade, observando que, em níveis moderados, ela tem uma função de alerta e preparação para enfrentar situações desafiadoras. Ela adverte que a pressão para acelerar a resolução de emoções negativas pode prejudicar os adolescentes, impedindo-os de identificar e processar essas emoções de forma adequada.
Assim, o elemento propulsor dessa nova animação é justamente o embate entre Alegria e Ansiedade sobre como a vida de Riley deve ser construída e conduzida. Se o primeiro filme entregou uma história emocionante, repleta de humor, aventura e reflexões complexas sobre o comportamento humano, a importância de todas as emoções e como elas moldam nossa personalidade, o segundo filme expande essas ideias e explora conceitos mais profundos da mente humana. Temas como a busca por pertencimento, o amadurecimento, as inseguranças típicas da adolescência são apresentados e desenvolvidos, além de a questão fundamental do filme ser recorrente na mente tanto de Riley quanto na do telespectador: quem sou e o que me define?
Quem somos?
Assim como em 2015, o filme de 2024 não pretende ensinar algo sobre a vida, mas sim convidar o público a imergir no complexo funcionamento da mente humana. Se no primeiro filme a protagonista Alegria descobriu a importância de compreender e respeitar as demais emoções, agora ela nos conduz por uma jornada de autocompreensão, baseada na ideia de que nosso ser é definido pela complexa relação entre nossas experiências de vida e as memórias geradas por elas.
De forma resumida, nossas experiências criam memórias que formam as bases de nossa personalidade e, posteriormente, nossas convicções — as certezas de quem somos e do que queremos ser. Esse novo conceito enriquece ainda mais a história e a profundidade dos personagens.
O que realmente nos define?
A mente humana é um universo em si, um pequeno infinito. A Pixar, com sua habilidade ímpar, parece tornar fácil a produção de animações que têm o verdadeiro potencial de transformar nossa forma de pensar e refletir sobre temas universais. Isso foi evidente em filmes como “Wall-E”, “UP: Altas Aventuras”, “Viva: A Vida é uma Festa”, “Toy Story” e o primeiro “Divertida Mente”. No segundo filme, a Pixar continua a encantar e divertir, promovendo infinitos debates acerca de nossas crenças e do que nos torna humanos.
O filme é uma continuação exemplar, grata, delicada e sensível, que mantém seu caráter de empolgar, contar histórias, entreter e emocionar crianças e adultos. A narrativa flui de forma natural e não soa forçada ou desnecessária, algo raro no mundo das sequências cinematográficas. O filme amadurece em relação ao primeiro, sendo igualmente emocionante, naturalmente evoluído e criativo.
No desfecho, o filme desconstrói propositalmente uma ideia que ele mesmo criou para o fluxo da narrativa: o que uma pessoa pensa sobre si mesma não define seu caráter e sua personalidade. O que realmente define alguém não são suas certezas ou convicções, por mais importantes que sejam, mas sim como ela reflete seus sentimentos e emoções na sociedade. Suas convicções são menos relevantes do que a forma como modula suas emoções e sentimentos socialmente.
Texto: Deivid d. Paula