Guerreiras do K-pop: o que há de mais humano em nós?

Guerreiras do K-pop: o que há de mais humano em nós? ​

Sob o brilho das luzes do palco e o som pulsante do pop coreano, nasce uma história onde a música é mais do que espetáculo, é poder, identidade e resistência. “Guerreiras do K-Pop”, animação que conquistou o mundo, transforma o glamour do entretenimento em cenário para uma batalha épica entre o bem e o mal, onde o ritmo é a arma e o coração, o verdadeiro campo de guerra.

Meses após sua estreia na Netflix, o filme se consolidou como um fenômeno cultural. Dominou paradas musicais, encantou plateias ao redor do globo e figurou entre as produções mais assistidas da plataforma. Sua trilha sonora ascendeu ao topo da Billboard 200, e o hit “Golden”, composto por Ejae, permaneceu por sete semanas consecutivas na Billboard Hot 100.

Na trama, o grupo vive uma rotina dupla: ídolas veneradas pelo público e caçadoras de demônios nas horas vagas. A missão, porém, ganha contornos ainda mais desafiadores quando os vilões da trama decidem entrar em cena, literalmente,  formando o grupo rival Saja Boys. A batalha, então, se estende para além das armas espirituais: é uma guerra de notas, coreografias e corações, travada nas paradas de sucesso e na alma dos fãs.

Audrey Nuna, EJAE e Rei Ami, respectivamente, dubladoras de ‘Guerreiras do K-Pop’ no TUDUM 2025 – Charley Gallay/Getty Images

Misturando brilho, ritmo e fantasia, a animação mergulha fundo na cultura pop coreana, oferecendo entretenimento e sendo, também, um retrato vibrante da juventude em busca de voz e pertencimento.

Na Escola Monteiro, essa energia encontra eco, transformando-se em inspiração para o teatro, música e arte. 

O filme se torna ponte entre arte e cotidiano, permitindo que os estudantes explorem temas de identidade, colaboração e coragem através das linguagens que já fazem parte do seu universo.

Animação sobre banda de k-pop que protege o mundo de demônios é o filme mais assistido da Netflix.
Liderados por Jinu, os Saja Boys são um grupo de demônios disfarçados de boy band.

O teatro como espelho da vida

No universo de Huntrix, o palco é o território onde as personagens equilibram suas duas identidades: artistas admiradas e guerreiras secretas. Essa dualidade dialoga diretamente com o conceito teatral de “máscara”, explorado nas aulas de artes da Escola Monteiro, em que o palco se torna um espelho simbólico da vida, lugar de criação, experimentação e descoberta.

Para Renata Piona, professora responsável pela Oficina de Teatro da Escola Monteiro, o contato dos jovens com o teatro vai muito além da encenação. “O contato com experiências teatrais estimula o acesso às emoções. Esse contato consciente com os afetos permite um autoconhecimento e certa maturidade, e essa bagagem certamente contribui para que os jovens atravessem as transformações e desafios de maneira mais preparada”, explica.

O palco, nesse sentido, torna-se uma extensão da vida, um espaço onde os estudantes aprendem a nomear emoções, lidar com frustrações e celebrar conquistas, desenvolvendo uma consciência mais profunda sobre quem são e sobre o que os move.

Renata Piona, responsável pela Oficina de Teatro na Monteiro

A arte como encontro de linguagens

Essa dimensão transformadora se amplia ainda mais quando o teatro dialoga com outras expressões artísticas. Para Sandra Bastos, professora de artes no Ensino Fundamental I na Monteiro, a integração entre diferentes linguagens como música, teatro e artes visuais é o que torna a experiência artística tão potente. “A integração promove vivências completas, em que as diferentes formas de expressão dialogam entre si”, explica Sandra. “Esse encontro amplia a criatividade e o repertório dos alunos, permitindo que cada linguagem complemente a outra.”

Sandra enxerga na arte uma ferramenta de autoconhecimento e afirmação. “Ela possibilita que os jovens experimentem linguagens diversas para se conhecerem, se expressarem e se afirmarem em sua identidade”, conta. “É um espaço de descoberta e de fortalecimento, especialmente nesse período de tantas mudanças que é a adolescência.”

Sandra Bastos, professora de Artes do Ensino Fundamental 1, na Escola Monteiro

Cultura pop e a força da coletividade

Fenômenos da cultura pop, como o K-pop e produções audiovisuais como Huntrix, são também pontes entre o universo dos estudantes e as práticas pedagógicas. Tanto Renata quanto Sandra reconhecem o poder desses elementos contemporâneos para aproximar o aprendizado da vivência real dos jovens. “Esses fenômenos podem ser o ponto de partida para conectar os interesses dos jovens à arte”, observa Sandra. “Assim, o aprendizado se torna mais próximo, mais vivo e, principalmente, mais significativo.”

Diferente de muitas narrativas ocidentais que celebram o herói solitário, a animação analisada destaca o heroísmo coletivo. As integrantes da Huntrix só alcançam a vitória quando atuam em sintonia, aprendendo a equilibrar suas habilidades, diferenças e emoções. Essa força nasce do encontro, e não da individualidade.

O Huntrix é composto por Rumi, Mira e Zoey - Imagem: Netflix

Essa perspectiva encontra eco em valores da filosofia oriental, especialmente no Confucionismo, que defende a harmonia social como base do equilíbrio do mundo. Como dizia Confúcio, “quando há harmonia no grupo, há ordem no mundo.” No universo da Huntrix, e nas práticas artísticas da Escola Monteiro, esse princípio se manifesta na convivência, na escuta e no reconhecimento do outro como parte essencial do processo criativo.

Renata complementa essa visão ao destacar o papel da coletividade no fazer teatral: “O teatro precisa da cooperação para acontecer. Nas aulas, os alunos percebem que, se não houver colaboração, o jogo não acontece. Com isso, o senso de grupo e empatia cresce à medida que compreendem que o fazer teatral depende do envolvimento generoso de todos.”

Imagem: Netflix

No contexto escolar, essa visão ganha ainda mais sentido: o aprendizado é também um exercício coletivo. A cooperação e o respeito mútuo são os pilares que permitem que cada estudante descubra seu lugar no grupo e, ao mesmo tempo, no mundo.

Um espaço seguro para criar e refletir

Ambas concordam que o ambiente seguro é a base para que o potencial artístico floresça. “As atividades teatrais só acontecem porque existe um ambiente favorável para que os alunos explorem e vivenciem toda a potencialidade que o teatro oferece”, afirma Renata.

Esse espaço protegido e acolhedor é o que permite que os estudantes se arrisquem, se reinventem e expressem sentimentos com autenticidade, vivenciando no palco experiências que refletem os desafios e as descobertas da realidade.

O olhar crítico e a arte como transformação

Para além do palco, o teatro e as artes visuais também cumprem um papel fundamental na formação do olhar crítico. “Ao interpretar, os alunos ampliam seu universo, buscando outras formas de enxergar o mundo. A dramaturgia tem papel essencial, enquanto literatura, nessa formação crítica e social”, explica Renata.

Sandra complementa esse pensamento ao reconhecer o poder da arte como agente de transformação: “Ela fortalece a autoestima, a empatia e os vínculos. Aqui na Monteiro, isso aparece nos projetos colaborativos e no entusiasmo dos alunos em criar juntos.”

Ainda que o trabalho com arte envolva desafios, como manter o engajamento e lidar com a diversidade de linguagens, Sandra acredita que o ganho é imenso: “Ver os jovens se tornando mais criativos, críticos e participativos compensa qualquer dificuldade.”

Imagem: Netflix

Medo e coragem.

No fim, como nas batalhas de Huntrix, o palco se revela um campo simbólico de luta e conquista não entre o bem e o mal, mas entre o medo e a coragem de ser quem se é. Na Monteiro, cada cena encenada e cada obra criada reforçam a arte como uma poderosa aliada na formação de indivíduos sensíveis, criativos e conscientes de seu papel no mundo.

Assim como nas apresentações da Huntrix, em que música, dança e teatro se entrelaçam, o trabalho artístico na Monteiro é marcado pela integração entre linguagens. Esse diálogo entre diferentes formas de expressão, tão presente nos momentos de troca, como nas oficinas e aulas conduzidas por Sandra Bastos e Renata, amplia o olhar dos estudantes e potencializa a criação.

Cada projeto se transforma em um campo fértil para experimentações, em que o corpo, o som, a palavra e a imagem se unem para expressar ideias e sentimentos. Nessa intersecção, o aprendizado ganha movimento e profundidade: a arte deixa de ser conteúdo e passa a ser experiência.

Imagem: Netflix

Chegando ao fim

Ao assistir “Guerreiras do K-Pop”, somos envolvidos por uma história cativante e personagens carismáticos e podemos nos ver refletidos no palco da ficção. Cada cena é um convite à reflexão sobre o poder da amizade, o valor do trabalho em equipe e a importância de enfrentar os medos com coragem e criatividade.

Mais do que diversão, o filme inspira pensamento crítico e autoconhecimento. Ele provoca os estudantes a olharem para si mesmos e para o mundo com sensibilidade, reconhecendo na arte uma ferramenta de transformação pessoal e social.

Assim como a Huntrix enfrenta suas batalhas com música, movimento e coragem, cada estudante pode encontrar, na arte, um caminho para dar voz aos próprios sonhos e para transformar o que o cerca. Porque, quando a criação é compartilhada, o palco se torna um território de comunhão, em que cada gesto artístico ecoa como um ato de esperança.

E é nesse espaço, por meio do medo e da coragem, entre o real e o imaginário, que nasce o verdadeiro poder da arte: a capacidade de revelar o que há de mais humano em cada um de nós.

Texto: Deivid D’Paula