Publicado em 14/04/2020

 

Estamos vivendo em quarentena determinada pelo Governo e ansiosos para sair de casa. Partindo desta perspectiva, analisemos o extremo inverso: imaginemo-nos em um contexto de extrema liberdade espacial, onde estamos soltos e livres na natureza selvagem. Assim é ambientada a história de Alex Supertramp, alter ego do personagem Christopher McCandless, no filme Na Natureza Selvagem, lançado em 2007 e dirigido por Sean Penn. No ano seguinte, o longa foi vencedor do Globo de Ouro na categoria de melhor Canção Original e do Prêmio do Público de Melhor Filme Estrangeiro, na Mostra Internacional de São Paulo.

Foto: Reprodução/Paramount Vintage

Com aclamada e inconfundível trilha sonora feita por Eddie Vedder, o longa-metragem é baseado em uma história verídica e conta a trajetória do jovem Christopher, de 23 anos, até o Alasca selvagem, durante a década de 90. Dando início aos primeiros passos de sua emancipação social, o protagonista acaba de se formar na faculdade quando decide se desfazer de bens materiais excessivos como dinheiro, cartões de crédito, documentos, meios de contato com a família e amigos – e até do próprio carro. Assim, Chris parte rumo ao desconhecido com apenas algumas roupas, uma mochila com equipamentos, livros acerca da sobrevivência e muito idealismo. Acompanhado não só de conhecimentos sobre o que pode ou não comer, por exemplo, mas de seus autores preferidos, como Thoreau e Tolstói.

O idealismo de Chris, no caso, está intimamente ligado ao relacionamento ruim que tinha com o pai, já que ele não concorda com o casamento e modo de se relacionar de seus pais, nem com a estrutura familiar, nem com o modo de vida e com os padrões impostos pela sociedade e pela cultura estadunidenses. Ele desejava fugir de tudo isso, se libertar, e, em busca da verdade – e de si mesmo –, assume uma identidade com a qual busca sua transcendência: Alexander Supertramp. Se aventurando pelas mais variadas e belíssimas paisagens, o personagem desafia constantemente a si mesmo, tanto fisicamente quanto emocionalmente, a fim de se livrar das amarras sociais, sustentando-se, sempre, em sua literatura e nos aprendizados compartilhados com as pessoas que conhece pelo caminho.

Alex conhece os mais diversos tipos de pessoas, com histórias e configurações familiares diferentes da sua. Ele escolhe deixar sua bolha, mas mal enxerga que se prende nela, cada vez mais. Ora, apesar de tanto aprendizado e bagagem adquiridos, ele não consegue superar os traumas causados pela figura paterna. Alex fica cada vez mais livre na natureza, mas será que estava livre dentro de si? Algumas cenas finais do longa respondem ao espectador o que o protagonista consegue, enfim, responder a si mesmo.

Foto: Reprodução/Paramount Vintage

Não quero aqui, de forma alguma, dizer que devemos nos contentar em viver em ambientes onde experimentamos relações abusivas, como se mostrava o convívio familiar do personagem. Mas, quero chamar a atenção para a capacidade que o filme tem de colocar em xeque, nas cenas finais, todo o entusiasmo, identificação e idealismo do telespectador compartilhados com o protagonista. Afinal, o contato com a natureza é capaz de expressar o inexprimível, de fato. Mas, e o isolamento em uma época sem qualquer meio de comunicação como a virtualidade globalizada que temos hoje?

Vivendo em um cenário de isolamento social, o que mais queremos, nesse momento, é desfrutar da liberdade para além das “quatro paredes” de nossas respectivas casas. Em uma sociedade viciada em smartphones e redes sociais, nos acostumamos a viver isolados uns dos outros, apenas com nossas próprias tecnologias. Aos minutos finais dos 148 que compõem Na Natureza Selvagem, há muito o que se pensar em relação às noções de liberdade que temos, a nós mesmos, ao coletivo, aos vínculos e como interagimos uns com os outros.

Christopher vive uma boa vida, uma vida de excessos, uma vida na qual ele se dispõe a conhecer o mundo para ser livre quando, na verdade, ele encontraria sua liberdade dentro de si. Liberdade para conviver com outras pessoas, inclusive seus pais. O personagem precisou voltar à natureza, experimentar viver em seu estado mais natural possível, para perceber a peculiaridade do ser humano: somos seres sociais.

Vivendo como Alex, o protagonista foi em busca da verdade, de si mesmo e da liberdade. Para isso, se fez refém de si mesmo na imensidão da natureza. Sua insistência em se libertar das normas sociais também implicava livrar-se dos vínculos estabelecidos em sua “outra” vida. Sua jornada de libertação e autoconhecimento termina quando ele finalmente reconhece a interdependência humana e encontra a si mesmo. Não mais Alex, Christopher McCandless aceita sua própria identidade. Registra, então, a frase de Thoreau responsável por destacar a história de Na Natureza Selvagem nas mídias e na cultura pop, até hoje: “A felicidade só é real quando compartilhada”.

Foto: Reprodução/Paramount Vintage

Clique aqui para assistir ao trailer de Na Natureza Selvagem.

Talita Vieira.