Imagem Divulgação

É possível contar nos dedos a quantidade de obras cinematográficas que são capazes de emocionar tanto uma criança quanto um adulto. Essa proeza ficou por muito tempo a cargo de filmes como Divertidamente, Rango, Shrek e, agora, esse é o caso de Leo – a mais recente criação de Adam Sandler para a Netflix. Com elementos musicais e personagens carismáticos na sua estrutura narrativa, Leo é uma animação cativante que mescla diversão e emoção. Além disso, possui como grande trunfo o supracitado fato de ter se tornado uma experiência agradável para todas as idades.

A universalidade de temas presentes na animação como a fraternidade entre idades diferentes, o estranhamento que o amadurecimento causa na transição da infância para a adolescência, atitudes e comportamentos sociais, discussões acerca de receios, sentimentos e amizade. Além disso, há o sensível debate sobre algo que aflige todos os indivíduos racionais – a finitude da vida -, que traz valiosidade ao filme, pois permite que cada telespectador estabeleça uma relação íntima com a obra.

Compreender essas tonalidades para abordar não somente a ética e moral, mas também para visualizar como cada uma dessas nuances são entendidas em diferentes idades e culturas é o que faz de Leo o escolhido para ser o nosso primeiro Cinema Comentado de 2024.

Sobre o que é o filme?

O enredo do longa engata quando Leo, uma espécie de lagarto e protagonista da história, é impactado por uma conversa entre os pais de dois alunos que o leva a refletir sobre sua própria trajetória. Ele descobre que o fim da sua vida pode estar próximo, pois de acordo com a conversa equivocada que escutou, a sua espécie vive até os 75 anos. No entanto, Leo já contabiliza 74 anos de idade. Dessa forma, concluiu que passou todo esse tempo dentro de um aquário, sendo mascote de uma turma do 5° ano. A ideia de que desperdiçou sua vida o perturba, ao ponto de fazer com que ele queira imediatamente mudar esse quadro e viver tudo o que deixou de fazer no que resta do seu tempo em vida.

Movido por esse pensamento, ele decide criar uma lista de desejos que inclui explorar o mundo, aprender a tocar um instrumento e, acima de tudo, dedicar mais tempo aos amigos e a valorização da própria vida. Para tornar tudo isso possível, ele precisa primeiro conseguir fugir da escola onde vive e, a partir disso, se dá a dinâmica narrativa da trama. Para obter sucesso em seu plano de fugir e finalmente viver sua vida, ele pretende promover a fuga durante os dias nas quais os alunos o levam para a casa – fazendo valer a tradição e costume norte-americano onde os estudantes do ensino fundamental se encarregam de cuidar do mascote da turma, com a finalidade de exercitar o cuidado e responsabilidade.

Imagem Divulgação
Leo e Squirtle

Entretanto, suas tentativas de fuga sempre são interrompidas, pois ao tomar ciência dos problemas que cada criança possui, Leo enxerga uma maneira de validar sua vida e se sentir útil e abraçado, dando conselhos e ajudando os alunos de sua turma a se sentirem melhores, além de apontar caminhos para solucionar os problemas que surgem de maneira acolhedora.

Dessa forma, existe uma grande aproximação entre o que é vivido no filme pelos personagens e o que acontece no cotidiano da sala de aula. É uma história de amizade e coragem que apresenta algumas das principais inseguranças e problemas característicos do início da adolescência. Assim, a proposta de assistir ao filme na escola, pode desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento das relações interpessoais e cria condições favoráveis ao diálogo, o autoconhecimento, o amadurecimento e fortalecimento das relações. Bem como abre o leque da criatividade, nos fazendo pensar maneiras nas quais podemos adaptar os elementos do filme para estimular a empatia e o respeito.

Dessa forma, utilizar práticas pedagógicas tendo como recurso filmes, desenvolve a possibilidade de uma aula produtiva, divertida e interessante. Segundo a Mestre em Alfabetização Infantil e Coordenadora do Ensino Fundamental 1 da Escola Monteiro, Jackeline Gusman, essa atividade estimula a observação, a concentração e a reflexão sobre situações que são apresentadas. “É uma proposta metodológica que desenvolve além  da análise de textos, imagens e da habilidade de escrita, o pensamento crítico, a capacidade de expressão e o debate de ideias, condições muito importantes para o desenvolvimento da empatia, para o fortalecimento das relações  interpessoais e para uma aprendizagem significativa”, explica. 

Ainda segundo Gusman, são inúmeras as possibilidades pedagógicas que essa prática oferece, dentre as quais podemos destacar o gosto pela arte, a criticidade, a cooperação, o trabalho em equipe e a atenção. “O filme Leo representa um bom material de trabalho em sala de aula por tratar de questões comportamentais, culturais e sociais que podem ser exploradas através de atividades de expressão artística e de jogos que utilizem a linguagem corporal”.

Jackeline Gusman

Também, para Jackeline Gusman, podem ser desenvolvidas atividades de produção audiovisual e produção textual estimulando o trabalho em equipe e a capacidade de refletir sobre o papel do cinema e da arte na formação pessoal. Cabe destacar que essas situações de aprendizagem também podem ser utilizadas como estratégias para estimular o aluno a ampliar o repertório cultural. Parafraseando o personagem: “É sobre compartilhar meus 74 anos de sabedoria para ajudar essas crianças com os problemas delas”, por isso o mesmo representa um excelente material para o desenvolvimento de um ambiente acolhedor e colaborativo.

Fabiana Monnerat, Psicóloga

A psicóloga e psicanalista da Escola Monteiro, Fabiana Monnerat, defende a utilização de filmes como ferramenta educacional, desde que os aspectos dos filmes sejam relacionados à realidade dos alunos. Ela sugere que os adultos identifiquem esses aspectos e os transformem em perguntas para os estudantes durante conversas em assembleias na escola, como acontece na dinâmica pedagógica da Escola Monteiro, além disso, segundo Monnerat: “O caminho que se pode propor com o filme e depois com a roda de conversa possibilita a empatia e o respeito às diferenças, já que mais de uma história pode ser contada e ao mesmo tempo escutada por todos. Propondo um espaço de fala que pode ser a partir de recursos de histórias, com filmes ou livros, eles podem identificar situações semelhantes e compartilhar em grupo ou individualmente que ocorre consigo”.

 Esse método visa criar um espaço para que eles – os discentes -, compartilhem seus sentimentos e experiências pessoais ou coletivas, promovendo empatia e respeito às diferenças. A psicóloga também destaca a importância da confiança da família na escola para abordar questões sensíveis, como mudanças corporais, ciclo menstrual, sexo e escolhas, durante essas conversas.

O elemento propulsor da nossa vida

Mais do que um filme divertido e carismático, capaz de ser usado como material pedagógico, o longa também surpreende quando promove de maneira inerente a sua condução narrativa discussões acerca da vida, assunto que a filosofia clássica e moderna debatem incansavelmente, por meio de nomes como Sócrates, Epicuro, Albert Camus, Martin Heidegger e até mesmo Arthur Schopenhauer. Neste aspecto, é atribuído à propriedade de cativar não apenas um público, mas todo aquele disposto a imergir na nobre aventura que o filme conta.

Por um lado, as temáticas abordadas no filme estão relacionadas a curiosidades, inseguranças e problemas que são comuns na fase dos 10 aos 12 anos de idade. Esse fato provoca uma proximidade dessa faixa etária com os personagens. Em concomitância, o aspecto filosófico e reflexivo da animação provoca o telespectador adulto a meditar sobre a consciência da finitude da vida.

Esse elemento presente na animação refere-se ao fato de que todas as formas de vida têm um fim inevitável, ou seja, tudo que vive eventualmente morre. É uma noção que aborda a temporalidade e a transitoriedade da existência, reconhecendo que a vida é limitada e que todos os seres vivos estão sujeitos à finitude. Diferentemente do que poderia ocorrer, essa abordagem no longa não ganha um tom mórbido. A atuação do filme sobre esse assunto é oposta ao que o senso comum imagina, isso porque na narrativa, a compreensão da finitude da vida influencia diversas perspectivas e atitudes em relação ao mundo, à própria vida e ao sentido que atribuímos a ela. Dessa maneira, toda a consideração filosófica, que se dá a partir da descoberta de Leo de que ele tem apenas mais um ano de vida, é um dos elementos propulsores do filme.

De acordo com a psicóloga Fabiana Monnerat, essa abordagem não apenas tange os indivíduos de maior vivência, mas também chama a atenção de crianças e adolescentes. Quando Leo se depara com a finitude, começa a refletir sobre os caminhos que têm percorrido até ali e que incluem alimentação, laços sociais, lar etc. “Ele constata que sua vida é extremamente restrita e começa a pensar sobre as possibilidades de refazer escolhas. Penso que a partir do entendimento desse limite real próximo que também foi capaz de escutar os alunos do 5 ano e encontrar com eles soluções para os desafios em um período da vida no qual o ciclo da infância se encerra e se inicia a adolescência”, comentou.

Imagem Divulgação

Arthur Schopenhauer argumenta que o ser humano tem uma necessidade intrínseca de ter um propósito ou um objetivo na vida. Ele acredita que essa necessidade deriva da insatisfação constante que as pessoas enfrentam devido à natureza essencialmente insatisfatória do mundo. Schopenhauer sugere que a busca por um propósito ou significado na vida é uma tentativa de escapar dessa insatisfação e encontrar algum tipo de satisfação duradoura. 

Ele postula que, ao adotar um propósito ou objetivo, as pessoas podem encontrar um sentido que as motive a enfrentar os desafios e dificuldades da existência. Assim, perante a finitude da vida, Leo, que passou anos em um aquário sem se dar conta de que estava deixando de viver, passa a ter um motivo para subsistir de maneira mais proveitosa, tomando como propósito – e elemento propulsor -, o próprio desejo de viver a vida.

 

O que aprendemos com Leo?

Leo é muito mais do que apenas uma animação. O filme oferece uma oportunidade valiosa para abordar questões cruciais direcionadas ao desenvolvimento socioemocional independente da idade. Ao assisti-lo, podemos traçar estratégias de acolhimento e aprendizado que se baseiam na escuta ativa e na empatia. Não somente, Leo nos inspira a pensar em maneiras criativas de adaptar seus temas para estimular a empatia e o relacionamento interpessoal entre os estudantes em sala de aula.

Monnerat destaca duas questões fundamentais para estabelecer esse tipo de dinâmica de escuta com crianças e adolescentes. Segundo ela, primeiramente, há a importância de reconhecer os limites do nosso “lugar de fala” diante dos alunos, especialmente em uma fase de mudanças corporais e busca por autonomia. Em segundo lugar, enfatiza a necessidade de escutar os alunos, como fez Leo ao visitar a casa de cada um deles, acolhendo seus sentimentos antes de buscar soluções em conjunto, em vez de impor soluções para eles.

Outro ponto positivo está na delicadeza representativa no enredo de “Leo”, lá as crianças enfrentam problemas normais da idade, mas sem sofrerem desvalorização ou serem tratados como menos importantes pelo protagonista. Paralelo a isso, os personagens mais velhos, mesmo com suas falhas, são retratados como fontes de sabedoria. Entretanto, os adultos e idosos não são romantizados como seres infalíveis; ao contrário, são mostrados como indivíduos que adquiriram sabedoria através de seus próprios erros e experiências. 

Imagem Divulgação

Eles, assim como todos os personagens, passam por jornadas de aprendizado e evolução pessoal ao longo do filme, transmitindo uma mensagem sobre a importância de reconhecer nossas falhas e aprender com elas. Essa abordagem realista adiciona profundidade aos personagens e ressalta a ideia de que o crescimento pessoal é um processo contínuo, independentemente da idade. 

Além disso, também promove valores essenciais, como a valorização do indivíduo, a empatia e a inclusão de pessoas idosas na sociedade. Isso porque, à medida que o personagem Leo acolhe as crianças, elas também o acolhem, estabelecendo uma relação de respeito mútuo e escuta ativa, permitindo que ele compreenda que ao tentar viver sua vida de maneira radical para validar sua existência, poderia obter tudo isso na simplicidade de se tornar amigo de uma turma de alunos do 5° ano. 

Entre vários outros, o filme nos lembra da importância de cultivar relacionamentos baseados na empatia e no cuidado mútuo, sendo uma jornada divertida e emocionante que transmite uma mensagem tocante sobre amizade. Destaca a importância dos laços afetivos e nos lembra de aproveitar plenamente cada momento da vida, sendo uma escolha positiva para pais, avós e qualquer adulto que acompanha as crianças. 

Em suma, Leo demonstra que podemos refletir sobre assuntos universais de maneira única, que é possível engendrar assuntos delicados de forma bem humorada, que nunca se sabe o suficiente para não precisar saber mais, que é possível viver de forma proveitosa quando se valoriza o seu entorno e é valorizado por ele, e também que lagartos da espécie de Leo não vivem até os 75 anos – como ele acreditou -, mas sim que até os 85 anos. Porém, graças a esse mal entendido, Leo nos proporciona uma jornada cinematográfica inesquecível, onde a simplicidade de um lagarto sábio nos leva a ponderar sobre a vida, a amizade e o valor de cada momento.

Texto: Deivid d. Paula