Os Rejeitados: Afeto como remédio para a solidão

A história de "Os Rejeitados" se passa na década de 1970 em um internato de elite para garotos em New England

Na Barton Academy, um internato masculino, durante a época das festas de fim de ano, a maioria dos alunos anseia voltar para casa e rever suas famílias, mas alguns desses estudantes precisam permanecer no colégio durante o Natal por diversos motivos. Entre as pessoas que precisam passar as férias no colégio estão os três personagens principais que integram a narrativa do filme “Os Rejeitados”, do diretor norte americano Alexander Payne.

Angus Tully (Dominic Sessa), um aluno sem amigos, desprezado por alguns colegas de classe e de personalidade provocativa e desafiadora, de última hora descobre que não poderá viajar com sua mãe e é forçado a ficar no colégio sob a supervisão de Paul Hunham (Paul Giamatti), um professor conhecido por seu mau humor, além de sua rigidez no modo de avaliação e ensino de História Clássica. 

Ele leciona há décadas na Barton e é detestado pela maioria do corpo docente e dos alunos. Acompanhando a estada do professor e aluno, está também a cozinheira Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph) — ganhadora do oscar de melhor atriz coadjuvante —, uma mulher reservada e de luto, que se recusa a visitar a família depois da perda recente de seu único filho durante a guerra do Vietnã.

Dominic Sessa, Paul Giamatti e Da'Vine Joy Randolph como Angus Tully, Paul Hunham e Mary Lamb

As dores pessoais em cada personagem

Com o roteiro de David Hemingson, ambientado em 1972, a história presenteia o público com personagens que são desenvolvidos a partir de questões particulares que acabam motivando suas revoltas ao longo do filme. Complexos, cada um traz momentos cômicos e ao mesmo tempo emocionantes, com diálogos íntimos sobre os medos e angústias existentes nas vivências pessoais.

Paul Hunham se mostra sempre um professor fechado e rígido, sem conseguir se relacionar facilmente com os alunos. Ele acaba cobrando muito durante as aulas e provas, fazendo com que a maioria dos estudantes odeiem a matéria de História Clássica. 

Durante o desenvolvimento da narrativa, Paul vai se revelando um homem solitário, sem contato com o pai ou qualquer parte da sua família, que com o passar da vida teve medo de buscar o amor, e de realizar sonhos, como a de publicar uma tese sobre a qual ele desenvolve há anos. Na companhia de Angus e Mary, juntamente com o sentimentalismo que a época de fim de ano traz à tona, o professor começa a mostrar seu lado mais vulnerável para seus companheiros de estadia na escola, mostrando aspectos de seu passado e seus anseios como um homem de mais de 50 anos que não obteve muitas conquistas, amizades e histórias para contar.

"Os Rejeitados" tem direção de Alexander Payne

O aluno que acompanha Paul é quase o contrário dele. Tully é jovem, estudante da 2ª série, ainda tendo muito a realizar na vida, mas acaba percebendo grandes semelhanças com o professor: não tem muitos amigos na escola, é rejeitado pela sua própria mãe no Natal e tem uma personalidade que a maioria considera desafiadora e difícil de lidar.

O filme foi indicado em cinco categorias do Oscar 2024

 

Ficar na escola não sendo capaz de ver alguém de sua família, e estar com pessoas próximas e conhecidas, faz com que Angus se revolte a todo momento e com toda ordem vinda de Paul, desenvolvendo assim uma personalidade rebelde. 

Enquanto o Natal se aproxima, ocorre uma abertura gradual com o professor e a cozinheira Mary, e assim Angus acaba se mostrando um adolescente com muitas frustrações e questões pessoais que assombram ele e que causam medo e receio em seu futuro. Apesar disso, ele segue se esforçando para se tornar o melhor aluno da turma e o destaque da escola na matéria de História Clássica, que Hunham leciona.

Acompanhando a narrativa dos dois personagens, há também a cozinheira-chefe da escola Mary Lamb, uma mãe lidando com o luto de uma perda recente de seu filho na Guerra do Vietnã, confito no qual os Estados Unidos participaram até o meio da década de 1970. Seu filho era estudante egresso da Barton, e depois de formado, com o objetivo de um futuro melhor, se alistou ao Exército, onde foi convocado para a guerra e acabou morrendo em combate. 

Da'Vine Joy Randolph foi a ganhadora da categoria "Melhor Triz Coadjuvante" pela sua performance no filme

Não querendo lidar com a irmã e seus sobrinhos no seu primeiro Natal sem seu filho, Mary decide ficar na escola e acaba se tornando a força conciliadora entre Angus e Paul. Como uma figura para além de materna, Mary é capaz de trazer à tona os primeiros momentos de sensibilidade nos personagens, com conversas despretensiosas, mas que acabam revelando mais sobre a extensão de personalidade tanto do professor na sua longa trajetória através dos anos, quanto do aluno e seus dramas recentes na vida. 

Momentos de aconchego permeiam essas cenas: uma conversa numa sala enquanto assistem televisão, em um jantar, em uma viagem de carro, entre outros momentos cotidianos, mas que são aproveitados de forma natural pela personagem para fazer com que os outros dois comecem a criar laços.

A Guerra, a Sociedade e o Luto

O filme tem como cenário a passagem do ano de 1970 para 1971 nos Estados Unidos, anos que antecedem o fim da Guerra do Vietnã, que resultou em muitas consequências no país norte-americano. “A Guerra do Vietnã teve início na década de 1950, no começo da Guerra Fria, e naquela altura os Estados Unidos figuravam como a maior potência econômica mundial”, explica a professora de história Luciana Carvalho.

E complementa: “O conflito foi o primeiro a obter uma grande cobertura jornalística, com cinegrafistas e fotógrafos acompanhando de perto muitos cenários da guerra. As notícias dos últimos acontecimentos chegavam nos Estados Unidos e no resto do mundo não apenas por meio de relatos ou textos jornalísticos, como também através de imagens nunca antes vistas daquela maneira”, disse. 

A nova forma de cobertura do conflito entre os países fez com que a guerra fosse mais popularizada e conhecida entre aqueles que tinham acesso a todas as informações, algo inédito e com consequências novas nos países envolvidos. No filme, o filho da cozinheira Mary, Curtis, um personagem negro, se alista para combater na guerra, mostrando que o conflito e as questões raciais na sociedade da época andavam ligados.

A jornada de Mary acompanha as complexidades das questões raciais nos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã


“Naquele tempo, muitos locais dos Estados Unidos possuíam cartilhas de segregação racial e a população negra era institucionalmente excluída e rebaixada, tendo que enfrentar diariamente o racismo explícito e a violência da sociedade branca, violência que poderia encontrar ainda mais propulsão quando reunida em grupos como Ku Klux Klan. Frente ao cenário social e racial de segregação, jovens negros de periferia encontravam maior dificuldade em se qualificar e se inserir no mercado de trabalho, uma vez que o ingresso em universidades estadunidenses dependia de exigências que, naquele contexto, mantinham a maior parte da população negra excluída dos ambientes universitários e dos empregos bem-remunerados”.

“Desta forma, o cumprimento do serviço militar era visto por esse grupo como a possibilidade de acessar lugares na sociedade estadunidense que a estrutura lhes tomava. Esses jovens eram os principais alvos do recrutamento e estavam proporcionalmente em maior número nas bases das tropas”, analisa a professora, mostrando a realidade em que o filho da cozinheira da escola no filme estava socialmente submetido. Mesmo tendo estudado em uma escola de renome como a Barton, Curtis via no alistamento e na carreira militar uma possibilidade de ingresso na universidade e, assim, conseguir um futuro melhor.

Luciana Carvalho - Professora de História do Fundamental II na Escola Monteiro

No entanto, a morte do jovem no filme também evidencia o racismo estrutural que estava presente no país desde sempre, mas foi mais acentuado e evidenciado no final da década de 1960 e começo da década de 1970. “O recrutamento em massa da população negra tentava servir também como instrumento de desmobilização política do movimento negro em nome dos Direitos Civis. Apesar disso, quanto mais evidente ficava a prioridade de recrutamento e o saldo de mortos por parte da população negra e periférica, maior se tornava o descontentamento com a guerra e com a estrutura racial”, conclui Luciana.

Emoções na escola

Desde o primeiro momento, fica claro para todos que a relação entre Paul e Angus só existe por conta da convivência forçada que ambos têm que encarar, antes na sala de aula e depois no ambiente escolar durante o recesso. A relação, no começo, é permeada de momentos de discussão, desafios e mentiras por parte dos dois, que não fazem nenhum esforço ou questão de tornar as férias mais toleráveis. O momento de desentendimento chega ao ápice quando Angus mente para Hunham e tenta fazer uma ligação sem permissão, gerando uma discussão um tanto quanto cômica, desencadeando em um pequeno acidente que faz com que Paul tenha que levar Tully para o hospital. 

Esse momento infortúnio é a chave de mudança que os dois sofrem na relação. A partir disso, começam a se conectar e empatizar um com o outro aos poucos.

As filmagens do filme começaram em Massachusetts em 27 de janeiro de 2022

Com a ajuda da figura feminina e materna de Mary aconselhando o que cada um deve fazer para estreitar esse laço afetivo em construção, Paul e Angus começam a entender e compreender as dores que cada um enfrenta em sua vida, tornando o relacionamento tolerável e respeitoso. Esse cenário que os personagens estão inseridos é o reflexo de muitos ambientes escolares, no qual professores e alunos não constroem laços que poderiam beneficiar tanto a saúde mental quanto no desempenho de cada um.

 

No filme, várias emoções negativas são refletidas nos personagens, como o sentimento de exclusão, depressão e baixo autoestima, influenciando totalmente nas relações com a rotina e estímulos diários na escola.

Tantas emoções podem refletir em como o aluno se relaciona com o ambiente escolar, com o seu aprendizado e com a sua capacidade de aprendizado. Assim como as emoções negativas refletem no comportamento, o estabelecimento de emoções positivas em um ambiente acolhedor faz com que os alunos alcancem um desempenho de aprendizagem melhor, assim como uma boa vida social, com o estabelecimento de amizades e um melhor relacionamento pessoal.

A personagem Mary Lamb mostra a importância do suporte emocional e da compreensão mútua nas relações interpessoais

Métodos que podem ser adotados para criar um ambiente confortável e confiável para a criança e o adolescente. Para além da equipe escolar ser uma força atuante na promoção da criação de laços e ambientação, o corpo estudantil também precisa ser responsável na promoção de uma cultura de apoio mútuo e inclusão, a fim de prevenir situações de bullying, por exemplo.

No fim, “Os Rejeitados” é um filme que transmite mais do que a sensação de acolhimento que filmes da época de Natal trazem para o público. É uma obra que evoca a transformação presente em todas as fases da nossa vida: luto, sonhos, inseguranças e conflitos que nos cercam, sendo adultos ou adolescentes, os temas seguem pertinentes. Com uma fotografia e narrativa acolhedoras, é um filme que nos faz refletir e emocionar.

Texto: Maria Carolina