Roz e Nós: O Espelho Humano em 'Robô Selvagem'
E se aquilo para o qual fomos “projetados” fosse apenas o começo, e não o limite de quem podemos nos tornar? Essa é uma das reflexões centrais que a animação “Robô Selvagem” nos convida a explorar ao longo de sua rica narrativa. Com cenários quase mágicos, personagens incrivelmente verossímeis e uma história que equilibra intensidade e delicadeza, o filme constrói uma dinâmica que não nega a essência de seus personagens, mas a expande. Cada elemento da trama serve para mostrar que crescer não é se desfazer de quem somos, mas nos tornarmos algo mais completo.
Baseado no best-seller de Peter Brown, “Robô Selvagem” é uma adaptação cinematográfica que mistura aventura, emoção e uma poderosa lição sobre pertencimento e evolução. Dirigido por Chris Sanders, o filme segue a jornada da robô Roz, uma unidade ROZZUM 7134, que, após naufragar em uma ilha desabitada, se vê forçada a aprender a viver em harmonia com a natureza. Na animação distribuída pela DreamWorks, a protagonista, a robô Roz, não busca se tornar algo que não é. Sua jornada não trata de humanização, mas de transformação – uma evolução que transcende sua programação inicial, explorando a possibilidade de crescimento, adaptação e conexão com o mundo ao seu redor.
Mesmo sendo uma máquina, ela descobre que pode ultrapassar as barreiras de sua programação e encontrar um propósito maior. Assim, o filme nos provoca a pensar: será que somos apenas o que nos disseram para ser, ou há um universo inteiro de possibilidades esperando quando ousamos ir além?
Por essa e outras razões, o longa-metragem Robô Selvagem é o nosso primeiro Cinema Comentado de 2025!


Sobre o filme
Como já mencionado, a robô Roz naufraga em uma ilha desabitada e precisa se adaptar a um ambiente hostil, construindo gradualmente laços com os animais locais e assumindo o papel de mãe adotiva de um ganso órfão. No entanto, a sinopse mal arranha a superfície da grandiosidade desta história. A verdadeira beleza de “Robô Selvagem” está em sua capacidade de transmitir emoções universais com profundidade e honestidade, tocando o coração de qualquer espectador, em qualquer lugar.
A trama de “Robô Selvagem”, ambientada em uma ilha selvagem, explora o contraste entre a rigidez da máquina e a fluidez da vida natural. Roz, uma robô criada para cumprir funções específicas programadas, começa a perceber que seu propósito vai além das linhas de código que a definem. Ao interagir com os animais da ilha e adotar um filhote de ganso órfão, ela descobre que a verdadeira evolução não está em seguir instruções, mas na capacidade de se adaptar, de amar e de construir conexões, mesmo quando isso parece incompatível com sua natureza mecânica.
A jornada de Roz evoca a reflexão existencialista de Jean-Paul Sartre, que afirmou: “O homem está condenado a ser livre; porque, uma vez lançado ao mundo, ele é responsável por tudo o que faz.” Assim como Sartre sugere que a essência de cada indivíduo é moldada por suas escolhas e ações, Roz transcende sua programação inicial ao decidir se conectar com o mundo ao seu redor. Fora das telas, sua história é uma poderosa metáfora de como podemos superar limitações, sejam elas tecnológicas, emocionais ou impostas por nossa própria visão de nós mesmos.
O pertencimento, como Roz descobre, não é algo que se recebe ou se impõe, mas que se constrói lentamente, por meio de vínculos, respeito e empatia. O filme, com sua narrativa visual marcante, traduz de forma poética como até o mais avançado produto da humanidade ainda tem muito a aprender com a sabedoria e a simplicidade da natureza – e, como Sartre propõe, com a liberdade de escolher quem queremos ser.

Studio Ghibli, estilo é inspiração
“Robô Selvagem” traz em sua essência uma inspiração visual já conhecida: o estilo poético de “Meu Amigo Totoro” (1988), do lendário Studio Ghibli. O diretor Chris Sanders revelou que o trabalho de Hayao Miyazaki foi uma grande influência na criação do filme, e isso transparece nos cenários exuberantes e na atmosfera de contemplação. Sem dúvida, a animação supracitada é um dos filmes mais marcantes de 2024. A ironia da inteligência artificial aprendendo a ser gentil enquanto a humanidade desaprende é sutil, provocativa e, de certa forma, inevitável.
Na CinemaCon, o diretor do longa revelou que o filme foi inspirado pelas paisagens dos filmes de Miyazaki, pela vivacidade dos animais das animações da Disney e pelas delicadas pinceladas das pinturas de Monet. Essa fusão de referências resulta em uma estética que é ao mesmo tempo deslumbrante e profundamente envolvente, trazendo à vida a jornada de Roz.

Uma Jornada Sobre Pertencimento e Evolução
E como se não bastasse o conjunto de competências já abordadas para se provar uma obra-prima, a animação também surpreende ao romper com convenções narrativas tradicionais. A história transcende a simples luta pela sobrevivência, tornando-se uma celebração da adaptação, da beleza da jornada e da coexistência como fundamentos que moldam nossa existência. Com uma animação vibrante e hipnotizante, personagens cativantes e cenários que refletem um ecossistema pulsante e delicado, o filme constrói um mundo que é ao mesmo tempo visualmente impactante e emocionalmente ressonante.
A narrativa, permeada de elementos fabulescos, aborda com profundidade a sensação de não pertencimento em um mundo hostil. A relação entre Roz e os habitantes da ilha simboliza afeto, empatia e transformação, mostrando que a verdadeira força não reside na individualidade, mas nos laços que construímos. Essa jornada nos convida a refletir sobre temas complexos, como isolamento, pertencimento e as escolhas necessárias para vivermos em harmonia com o ambiente e com os outros.

Esse contraste entre isolamento e conexão dialoga com a filosofia de Martin Buber, que em “Eu e Tu” defendeu que a existência humana só encontra sentido pleno nos relacionamentos. Segundo Buber, “A vida verdadeira é o encontro.” Assim como Roz descobre que sua evolução depende das relações que constrói, o filme nos lembra que nosso propósito não é encontrado na solidão ou em objetivos individuais, mas na capacidade de criar vínculos e reconhecer o outro como parte essencial de nossa jornada. É essa perspectiva que torna “Robô Selvagem” mais do que uma animação; é uma reflexão sobre como a verdadeira humanidade se revela nos encontros que transformam quem somos.

Muito Além da Humanização
Engana-se quem acredita que Roz passou por um processo de humanização. Sua trajetória é muito mais profunda: ela não busca ser humana, mas transcender as limitações de sua programação. Roz nos lembra que todos nós podemos superar nossas barreiras e nos tornarmos mais do que aquilo para o qual fomos “destinados” a ser. Sua jornada não é apenas sobre sobrevivência ou adaptação, mas sobre a descoberta de que existe algo maior além das funções que nos definem.
Essa reflexão ressoa com o pensamento do filósofo Friedrich Nietzsche, que afirmou: “O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim.” Assim como Nietzsche sugere que estamos sempre em processo de superação e transformação, Roz representa a possibilidade de transcendência – uma ponte entre o que fomos projetados para ser e o que podemos nos tornar. Se uma máquina pode aprender a conviver com a natureza, talvez a humanidade também possa redescobrir seu lugar nela. O filme nos desafia a resgatar o equilíbrio e a empatia que parecem perdidos em meio ao avanço tecnológico, mostrando que, como Roz, somos capazes de nos reinventar e de reconstruir relações que nos conectem ao mundo ao nosso redor.
Uma Mensagem Profunda e Universal
Em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia, “Robô Selvagem” oferece uma lição essencial sobre empatia, pertencimento e transformação pessoal. Não se trata de uma narrativa sobre adaptação, mas sim de uma profunda reflexão sobre a capacidade de transcender barreiras – sejam elas físicas, emocionais ou sociais. Combinando humor, ternura e uma mensagem universal, o filme desponta como uma das mais fortes candidatas ao Oscar de Melhor Animação de 2025.
“The Wild Robot”, ou em português “Robô Selvagem”, poderia ser apenas a história de uma robô que aprende a viver em um mundo natural, porém é mais do que isso. Como diria Viktor Frankl, que em “Em Busca de Sentido” declarou: “Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos”, a jornada de Roz reflete essa verdade fundamental. É um convite a nos perguntarmos até que ponto também podemos nos transformar, encontrar nosso propósito e construir conexões que deem sentido à vida.

Dessa forma, assim como Roz e os diversos personagens do filme transcendem suas programações e naturezas, a obra também transcende gêneros e públicos. Ela toca a alma e traduz questões profundamente humanas através das lentes de uma robô – uma história que, além de ser assistida, é sentida.
Deivid d. Paula