Publicado em 05/10/2020

Alunas da 1ª série do Médio relataram como veem os estereótipos no cinema. Maria Eduarda Olindino ressaltou como o consumo voltado a determinadas produções pode reforçar preconceitos. Imagens: Reprodução

Durante o mês de setembro, a professora de Espanhol, Aila Felício, convidou o cineasta André Félix para conversar com a 1ª série do Ensino Médio sobre os cinemas latino-americano e negro. O bate-papo, que aconteceu no dia 10, teve a participação de Jamille Ghil, professora de Literatura, ampliando o debate acerca das representações culturais mostradas nas narrativas cinematográficas.

Aila afirma que a iniciativa tem um importante papel no desenvolvimento da criticidade dos alunos, pois promove o contato com outros povos, um maior conhecimento de suas respectivas culturas e, consequentemente, auxilia na aprendizagem da língua espanhola por possibilitar a observação das diversas variações linguísticas que existem na América Latina.

Visando o combate a discursos hegemônicos, Aila e Jamille trabalham com os alunos a valorização das minorias e da diversidade cultural. Fotos: Aila Felício e Jamille Ghil/Acervo pessoal

Apesar dos problemas de distribuição enfrentados pelo cinema latino-americano, Aila conta que os próprios alunos apontaram diversos filmes e outras produções brasileiras e de países vizinhos como parte de seus repertórios culturais. “Trabalhamos o gênero textual ‘sinopse’, analisando a cinematografia da América Latina, tão pouco difundida, e também mencionamos as produções hollywoodianas que, muitas vezes, representam as personagens latinas de forma estereotipada”, explica.

A professora acrescenta ainda que tratar das competências comunicativas interculturais exige uma visão dialética sobre culturas diferentes: “Trabalhar com língua estrangeira de maneira intercultural é construir um espaço para questionarmos o lugar-comum, e o cinema latino-americano traz essa visão plural de cultura. O sotaque presente em filmes argentinos, por exemplo, é diferente do que é mostrado em filmes colombianos e mexicanos. As personagens e a narrativa também mudam de abordagem. O universo cinematográfico permite não apenas um ensino plural da língua, mas a construção de um repertório humano diverso”, esclarece.

As afinidades entre Jamille e Aila são muitas, inclusive, nas propostas que as professoras levam para a sala de aula. Por isso, o diálogo entre Espanhol e Literatura vem se tornando ainda mais enriquecedor para o ensino e aprendizagem dos estudantes. “Somos duas mulheres negras que temos uma visão de mundo muito semelhante. Um ponto de convergência nosso é trazer perspectivas contra-hegemônicas para proporcionarmos aos alunos uma visão de mundo plural, que valoriza a diversidade e mostra outras possibilidades ler a realidade por meio da ficção”, conta Jamille.

André Félix forneceu informações importantes sobre o audiovisual aos alunos, explicando sobre práticas e representações preconceituosas. Foto: André Félix/Acervo pessoal

No bate-papo, André Félix também foi convidado a falar sobre o cinema negro, contribuindo para a construção de uma perspectiva de educação literária antirracista idealizada por Jamille. Na disciplina, busca-se questionar desde os valores historicamente construídos que determinam o que é o cânone literário, até a forma como as personagens negras e indígenas são representadas na literatura brasileira. Assim, é oportunizado aos estudantes tanto uma visão crítica das obras do cânone brasileiro quanto a possibilidade de ler escritores negros e indígenas para contrastar com a visão hegemônica.

Jamille também defende o contato com representações positivas para trabalhar uma educação antirracista e afirma que o próprio André é uma delas, pois mostra aos alunos que os negros também podem ser diretores de cinema. “O cinema é um ambiente historicamente elitista e que foi dominado pelos brancos, o mundo foi representado por eles. E o André falou muito do cinema americano, que produziu narrativas conforme a perspectiva da cultura estadunidense. Chegou o momento das minorias criarem suas próprias narrativas, construindo suas representações dentro do cinema e da literatura. É importante mostrar essa diversidade aos alunos e evidenciar que ela é possível, bonita e nos humaniza”.

André Félix é diretor, roteirista e professor de Cinema. Dirigiu “A Cor do Fogo e a Cor da Cinza”, “Valentina” e “Diante dos Meus Olhos”, disponível no Prime Video. A respeito da proposta da Escola, ele elogia o trabalho desenvolvido por Aila e seu comprometimento com a causa das pessoas negras. “Acredito que falar sobre cinema, negritude e América Latina é uma transmissão de tecnologias, conhecimentos. Os alunos têm um privilégio devido a essa abertura de dimensão do pensamento. Essa é uma iniciativa muito importante para a formação do caráter deles, especialmente no que se refere à possibilidade da imaginação, independente da área que cada um vai seguir. Eu achei uma iniciativa muito visionária”.

Segundo Aila, este foi apenas o bate-papo inicial, pois ela quer dar continuidade ao diálogo com os alunos e com a professora de Literatura. A iniciativa é uma das muitas formas que a Monteiro explora o discurso audiovisual como ferramenta de construção do conhecimento.

Talita Vieira.