Publicado 19/12/2019

Foto: Talita Vieira/Divulgação

Em outubro deste ano, a revista Superinteressante publicou uma matéria sobre o mais novo vício social depois do cigarro: o smartphone.

No século XX, Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, utilizou as teorias do tio psicanalista para manipular o comportamento das massas: na publicidade e na propaganda, ele começou a associar os bens de consumo aos desejos inconscientes das pessoas. Um dos comportamentos influenciados pela indústria publicitária, na época, foi o consumo excessivo do cigarro. A difusão da imagem da mulher fumante empoderada reforçava os ideais de status quo e de felicidade entre as pessoas. Na década de 50, era estranho não ver alguém segurando um cigarro entre os dedos durante as tarefas mais corriqueiras.

Alunas utilizando smartphones no intervalo entre aulas (imagem meramente ilustrativa). Foto: Talita Vieira/Divulgação

Superada a febre do tabaco, hoje, vemos a maior parte das pessoas hipnotizadas pelas telas de seus smartphones, como se eles fossem uma extensão de seus braços e corpos. Sabemos que ambos os produtos de consumo nos causam malefícios, pois produzem vícios. Entretanto, vícios diferentes gerados de formas diferentes.

Os gigantes da tecnologia e desenvolvedores de aplicativos vêm aprimorando os smartphones, utilizando não apenas recursos da psicologia, como aconteceu com o tabaco, mas também da neurologia e, pasmem, dos cassinos. De acordo com a reportagem lançada pela Superinteressante, o smartphone se assemelha a uma máquina caça-níqueis, um mecanismo de jogo considerado o que mais causa dependência.

A dependência gerada pelo uso do smartphone provém das “recompensas variáveis”. Uma técnica baseada na psicologia que consiste na recompensa que se sustenta na incerteza, ou seja, a recompensa não é constante ou previsível – e este é exatamente o fator viciante. O neurotransmissor do prazer chamado dopamina é liberado pelo cérebro dos internautas, antecipando o prazer, seja o de receber a notificação de uma curtida ou de um comentário em uma foto ou de uma nova mensagem. Contudo, não sabemos quando ou com que frequência iremos recebê-las. Segundo a matéria, o uso dos aplicativos passam a provocar emoções negativas depois de 10 a 30 minutos de uso diário. Uma vez que somos fisgados pelas notificações e atrações exibidas no celular, ficamos ávidos por mais estímulo e dopamina, sempre atentos ao aparelho e mais motivados a postar conteúdos e interagir na web. Isso funciona como uma grande teia que ajuda a viciar mais gente do outro lado da tela.

Bastante nocivo e mais viciante que o tabagismo, o smartphone não prejudica o sistema respiratório e cardiovascular. Por sua vez, ele provoca alterações irreversíveis nas estruturas cerebrais e interfere nas respostas neurológicas, acarretando déficit de atenção, hiperatividade, surgimento ou aumento da ansiedade e da depressão nos usuários. Os sintomas, como insônia e dificuldade de concentração, começam a aparecer quando as pessoas ficam mais de três horas por dia usando o celular. Infelizmente, o brasileiro já extrapolou a média desse tempo de uso.

Fisicamente, o smartphone também acarreta danos: os jovens estão sendo cada vez mais diagnosticados com uma espécie de saliência no crânio, que é mais observada em idosos por conta do enfraquecimento de uma musculatura no pescoço que inclina a cabeça para frente. Nos adultos e jovens, essa protuberância ou “chifre” virado para baixo vem surgindo antes do tempo devido ao uso excessivo dos smartphones e tablets, de acordo com resultados de pesquisas narrados na reportagem da Super.

Uma experiência pessoal

Screenshot do tempo de uso semanal fornecido pelo app da iOS. Foto: Talita Vieira/Reprodução/Acervo pessoal

Impactada pelas constatações e pelo experimento descrito na edição da revista, passei a monitorar meu tempo de uso do celular pela própria ferramenta do iPhone destinada a isso. Algumas percepções já eram esperadas, pois já sabia que uso bastante meu smartphone. Outras me levaram a observar aspectos preocupantes que caracterizam vício e que eu nunca havia reparado antes.

Por utilizar bastante meu celular para trabalho e até estudo, o número de vezes que desbloqueio a tela em 24 horas é alto. Meu uso diário do smartphone ultrapassa a média-limite, constatada na matéria, para o aparecimento dos sintomas de vício: gasto pouco mais de três horas apenas utilizando aplicativos de redes sociais em metade do dia. Meu uso total do dispositivo em 24 horas vai muito além disso.

Também me conscientizei de que o celular é a primeira coisa que eu checo ao acordar e a última que verifico pouco antes de dormir. Percebi, ainda, que sofro da “síndrome da vibração fantasma”, que consiste na sensação de ouvir o celular vibrar ou emitir algum som de notificação sem que, de fato, isso tenha ocorrido. A experiência foi a prova cabal e a motivação mais do que necessária para que eu me policie em relação ao smartphone a partir de agora. Afinal, o tempo que passa não volta.

Daqui a alguns anos, talvez, o uso constante do smartphone possa ser encarado como o vício em tabaco é visto hoje. Contudo, a diminuição do uso dos dispositivos móveis, em uma sociedade cada vez mais tecnológica e virtual, não é certa. Uma possível piora em nosso comportamento em relação ao celular refletirá em uma sociedade ainda mais dependente das tecnologias e, consequentemente, ainda menos humana. Consegue imaginar?

E você? Tem noção de quanto tempo gasta utilizando seu smartphone?

Talita Vieira.