Publicado em 03/06/2020

 

O perigo da legitimação, feita pela mídia, dos discursos fascista e neonazista, em pleno século XXI, na era digital. É sobre isso (e muito mais) que o longa-metragem alemão Ele Está de Volta (Er ist wieder da) fala. Dirigido por David Wnendt e lançado em 2015, o filme retrata como seria o retorno de Adolf Hitler à vida, na época atual.

Adolf Hitler aprendendo a usar o computador. Foto: Reprodução/Constantin Film

Após acordar no mesmo local onde ficava seu bunker, há 70 anos, o personagem é confundido com um comediante – por seu comportamento incomum e discursos absurdos – e levado a um estúdio de televisão, sendo gradualmente reinserido na sociedade, conhecendo os avanços tecnológicos e mudanças pelas quais o mundo passou até 2014.

Visto como inofensivo, e, pasmem, até mesmo como um gênio, Hitler ganha voz novamente – desta vez, auxiliado pela mídia alemã em um mundo globalizado e marcado pelos recursos digitais. Assim, ele enxerga uma nova oportunidade de prosseguir com seu modelo nazista de dominação política e social.

No filme, pessoas tiram selfies com o líder nazista pelas ruas de Berlim. Foto: Reprodução/Constantin Film

A “sociedade do espetáculo” – de acordo com o conceito elaborado pelo escritor Guy Debord –, retratada pelo longa, revela-se uma grande aliada do nazista: é por meio do uso dos dispositivos móveis que a própria população alemã, estranhamente deslumbrada, ajuda a divulgar a figura de Hitler andando, novamente, pelas ruas de Berlim. Alguns chegam até a tirar selfies com o personagem que, desorientado, a princípio, acaba por se surpreender com a aceitação e a identificação pública consigo mesmo.

Na trama, a glamourização da figura do nazista vai sendo sustentada pelo comportamento populista do personagem que, mais uma vez, se aproveita do contexto político, econômico e social da Alemanha para difundir seus ideais entre os cidadãos. Ao se tornar um sucesso televisivo do humor, Hitler se torna uma figura pública de sucesso, ajudado por todo um setor de marketing estruturado espontaneamente em torno de si.

Em tempos como os que estamos vivendo, não há como não estabelecer uma relação entre a narrativa fílmica com o cenário mundial atual. Ao reproduzir os discursos absurdos do líder nazista por trás da “comédia” apresentada por ele, o longa deve ser assistido com um olhar crítico e atento às tristes e espantosas ironias.

Foto: Reprodução/Constantin Film

Explicitando a perspectiva dos apoiadores de posicionamentos como o de Hitler, o filme faz sua maior crítica social de forma direta, em uma cena específica, com a seguinte pergunta que o personagem faz: “Nunca se perguntou por que as pessoas me seguem? Porque, no fundo, elas são como eu”.

Ele Está de Volta é uma obra que reforça os perigos de uma democracia mal gerida somada ao poder difusor das mídias, também mal geridas, em uma realidade hiperconectada e globalizada. Ou seja, ele coloca em pauta o poder do discurso, não somente durante o enredo, mas com o filme em si. A produção provoca incômodo e desconforto, denunciando como a falta de investimento em necessidades básicas – como a educação – desumaniza os seres humanos (que acabam por concordar com discursos de ódio) e como é perigoso potencializar a voz dessas pessoas.

O filme é uma opção que gera reflexões válidas durante o isolamento social, pois mostra como atrocidades históricas podem ser repetidas por aqueles que acreditam (e muitos nem se dão conta disso) em ideais que não voltaram à tona, mas que, infelizmente, nunca deixaram de existir.

Talita Vieira.